Ouvi um barulhinho atrás do fogão. Corri pra sala e me muni de inseticida e de coragem para, cuidadosamente, esticar o pescoço e descobrir quem fazia o barulho. Era uma barata. Não dessas normais... uma barata selvagem.
Houve um tempo em q eu podia dizer: “não mato baratas selvagens” e me orgulhava disso. Partia do princípio de q se elas não moram no esgoto, não correm rápido e daquela forma desesperadas q as baratas correm e não voam, é pq são gente boa e não merecem ser mortas.... e foi assim durante um longo tempo. Até o dia em q uma se aventurou a entrar voando pela minha janela e correr pelo chão da minha sala destruindo, por completo, minha crença na possibilidade de convivência pacífica com elas.
As baratas selvagens são assustadoramente grandes, mas um pouco menos feias q as normais.... vistas de barriga pra baixo, é claro. O fato, é q nesse fatídico dia assassinei minha primeira barata selvagem. Não sei se era rebeldia de barata, só sei q essa foi a primeira e única selvagem q voou e correu e, portanto, a primeira e única q matei. Hoje, estou de volta aos bons tempos de poder afirmar q não mato baratas selvagens. Trata-se de um princípio, tal como, não possuir passarinhos engaiolados, não cortar rabo de cachorro, não jogar lixo no chão ou não misturar molho branco com molho vermelho. Enfim, é como um acordo: se ela não me incomoda, eu não a incomodo tbm!
Acontece, q eu achei q poderia lavar a louça tranquilamente, enquanto a pobre descansava as perninhas ali perto do fogão.... mas logo ela veio em minha direção, dei um pulo pro outro lado da cozinha, ela se virou, mirou no pé e veio de novo... eu mais uma vez dei um pulinho pro outro lado e lá veio ela. Aí perdi a paciência, né, pq não tenho sangue de barata e gritei: AÍ NÃO MINHA FILHA! TÁ PEDINDO PRA MORRER! Ela me olhou e quase pude enxergar seus olhinhos... se virou e saiu pela porta, civilizadamente. Pensei: selvagem? Só se for no nome! Pois como são finas as baratas selvagens.... sem gritarias, sem escândalos, sem chororô, nada, nada... simplesmente juntou sua trouxinha e foi-se embora.
Fiquei achando q tenho um dom... tal como o da tia Fia, a matriarca da família. Reza a lenda q ela fez de tudo pra acabar com as formigas q invadiram sua cozinha, usou todos os tipos de veneno e de mandingas para espantar as desagradáveis visitantes e nada deu certo... até o dia em q ela puxou uma cadeira, se sentou, e teve uma conversa de mulher pra formiga explicando bem direitinho pq elas não eram bem vindas ali naquele lugar. As formigas compreenderam e nunca mais apareceram.
Digo isso, pq já andei observando q basta um bom berro enfurecido para q os passarinhos q moram no meu cajueiro se calem e me deixem dormir sossegada de manhã.
Eu acho lindo acordar com o barulho dos passarinhos, tão bucólico... acontece q tem um bem-te-vi aqui, q comanda a festinha, q não tem o menor senso de “sua liberdade termina onde começa a do outro”, ele acha q pra cantar bonito tem q cantar gritado... julga q pode competir com as maritacas no quesito gogó de ouro. Ele atiça todos os outros passarinhos e apronta uma verdadeira rave passarística na minha janela todos os dias de manhã .... e muitas vezes só se calam depois de acabarem completamente com minha paciência, me fazerem levantar, abrir a janela e gritar: OOOOOOLHA O EXAGEEERO!!!! No entanto, soam como palavras mágicas.... eles se calam e eu volto a dormir.
Claro q não é pq eu tenho um dom... ou acho q tenho... ou tenho muita vontade de ter, rs... q não tenho muito q aprimorá-lo. Afinal, no frigir dos ovos quem é a selvagem? Não chego nem perto da elegância da tia Fia, nem da finesse das baratas selvagens, tão pouco da compreensão das formigas e menos ainda do bom humor do bem-te-vi. Resolvo tudo na base do berro! Tô bem mais pra uma brucutu do q para uma lady.
Mas eu ainda chego lá!