sábado, 26 de fevereiro de 2011

Para o melhor pai do mundo


Hoje quero escrever sobre meu pai.
Amanhã é aniversário dele.
Uma das boas lembranças do meu tempo de criança éramos nós 4 deitados nos estilo mandruvás, como costumávamos nos deitar, uns com a cabeça na barriga dos outros e uma mistura de pernas que ficava, completamente, indistinguível saber qual era de quem. Isso acontecia quando íamos à praia, provavelmente na Bahia, que era pra onde íamos todos os anos, e vamos até hoje. Íamos de carro com caminhas estrategicamente montadas no assoalho do banco de trás, que permitiam a mim e ao Dani viajar dormindo confortavelmente.
Naquela época não se precisava usar cintos de segurança, cadeiras especiais para crianças pequenas, nada disso... acho que ainda não haviam inventando o acidente de automóvel. A vida era muito tranquila e boa e viajávamos de Uberlândia a Porto Seguro ao som de Luiz Gonzaga, Elba Ramalho e mais umas 2 ou 3 fitas cassetes guerreiras que nos acompanharam por anos a fio e que, com certeza, escolaram a mim e ao meu irmão na paixão pelo forró pé-de-serra. Minha mãe também levava algumas fitas do gosto dela, muito boas, por sinal, Gilberto Gil, Chico Buarque, Gal Costa.... mas a proporção com que eram ouvidas, nos dois dias de viagem, era de 1 vez a cada 10 repetições da Elba.
Enfim, deitávamos como mandruvás e pedíamos pra que meu pai nos contasse as histórias do seu tempo de menino, quando ainda morava em Petrolândia- PE  e minha mãe dizia: De novo????
 Ele contava as mesmas histórias que iam de molecagens que tinham a ver com um pedaço de pau que ele e os colegas passavam no cocô, a inundação da cidade, pelo rio São Francisco, até histórias de lampião protagonizadas por um tio dele, soldado, não sei bem, mas que ele chamava de “caçador de lampião”. Nós já conhecíamos essas histórias de cabo-a-rabo e já sabíamos cada detalhe antes mesmo dele falar, ainda assim adorávamos, e minha mãe ria e olhava pra ele com cara de “ah-meu-bem-para-de-inventar”. A gente nem ligava. Meu pai não mentia. Ficávamos horas com os olhos arregalados e os ouvidos atentos a cada palavra.
Hoje, depois de adulta percebo porque ele conseguia com que a gente prestasse tanta atenção às suas histórias. É um jeito dele de contar as coisas, assim, nos mínimos detalhes. O que ele pode resolver em uma frase do tipo: Preciso ir à casa de Licinha consertar a máquina de costura dela. Ele prefere dizer assim: Esses dias fui na casa da sua avó porque precisava levar uns remédios pra ela e o Totó (o cachorro que miava, de acordo com minha tia Gracinha, vê-se que a imaginação fértil é de família) tava lá e quando Licinha chegou,  Gracinha teve que prender o Totó porque ele tá maior que ela! Licinha disse que ele se parece demais com o cachorro dela só que o dela é menor e mais bravo e que outro dia rosnou para tia Djanira  que tinha ido lá fazer uma visita. Ela tomou um susto e bateu a mão, sem querer, na máquina de costura de Licinha e quebrou uma peça lá... Aí vou aproveitar que tenho que ir na oficina pagar o  Lourival... acredita que ele me cobrou uma fortuna por aquele conserto????? E já passo em Licinha pra consertar a máquina dela...
Isso é outra característica marcante do meu pai. Ele conserta tudo. Qualquer coisa que estiver quebrada, com mau contato nos fios, chiando, emperrada, cambeta, desafinada, desajustada, meu pai conserta. Aqui em casa, aguardamos ansiosamente o dia em que ele virá para consertar os trancos das portas, as lâmpadas que não querem acender, as torneiras que não param de pingar, a geladeira que tá derramando água... enfim... meu pai dá um jeito em tudo num piscar de olhos.
Outra boa lembrança eram as festas que não acabavam mais. De acordo com minha mãe herdei do meu pai o talento para boemia. Lembro-me dele sempre colocando a sanfona no porta-malas do carro. E minha mãe respirava fundo porque já sabia que a noite ia ser longa e que muito provavelmente nós seríamos os últimos a irmos embora da festa. E aí, chegava a minha hora preferida, a hora em que meu padrinho falava: Cunhadão, agora canta as músicas da sua terra! Ninguém sabia cantar, mas todo mundo adorava ouvir e ele me chamava e eu sentava do lado dele pra ajudar cantar as músicas de sempre: “O último pau de arara”, “Moxotó”, “Abc do sertão”, “Propriá” .... Ainda faço isso e adoro.
Eu sei que esse texto já tá enorme e tá com cara de que não vai acabar nunca... mas é aniversário do meu pai e eu não posso escrever sobre ele sem falar do quanto ele amado por todo mundo que o conhece.... meu pai é daquelas pessoas que não tem como vc não gostar. Nos seus aniversários ele não convida ninguém, não precisa. Minha mãe já manda logo fazer uma panelada gigante de galinhada, feijoada, ou alguma coisa assim, porque sabe que menos de 60 pessoas não aparecem por lá... é gente que não acaba mais... um entra e sai o dia inteiro e, um pico de concentração com recorde de mais pessoas por metro quadrado, na hora do jantar. 30 camisas é a média que ele ganha por aniversário. E não é só gente que gosta do meu pai não hein, tem bicho também.  Ele cuida do Junin (um salsicha carinhosamente apelidado, por mim, de Chatin) com o maior amor do mundo, assim como cuidou do Kim e como cuida das tartarugas que esticam o pescoço pra ele coçar e arranham suas pernas pra que ele as pegue no colo que nem cachorro faz ( eu não acreditava até ver com meus próprios olhos). Passei a minha vida toda vendo meu pai dedicar horas e muita paciência para cuidar de passarinhos adoentados em caixas de sapatos, preparar água doce para beija-flores, salvar mosquitos de afogamento em copos, retirar carinhosamente besouros de dentro de casa, conversar com maritacas e fazer amizade com qualquer bicho que se aproximasse.
Amanhã é o dia dele... que seja um dia especial porque meu pai é uma pessoa especial. Com certeza, uns dos filhos prediletos do Papai-do-céu e que merece toda felicidade e todo amor do mundo.

2 comentários:

Djair disse...

Obrigado, Betinha, por esse texto gigante, com tantas lembranças bonitas e carinhosas. Te amo!

Maria de Fátima disse...

Que coisa linda! Fiquei emocionada com as suas lembranças. O seu pai é mesmo assim, essa pessoa muito especial... Vivemos momentos tão bons, não é? Mas ainda vamos viver muitos outros que vão ser eternizados nos seus textos, minha lindinha!Muitos beijos para você (a saudade está começando a apertar...)